
A Medicina tradicional chinesa tem
base científica?
Marcelo Saad* * Doutor em Ciências
pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Membro do Corpo Clínico do
Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.
Primeiramente, é fundamental
conceituar que a Medicina tradicional chinesa (MTC) não é sinônimo de
acupuntura. A MTC envolve a utilização de fitoterapia (fórmulas magistrais
contendo ervas), meios físicos (como calor e massagem), técnicas corporais
(como dieta e exercícios), práticas de respiração e meditação, entre outras. A
MTC tem sido praticada rotineiramente na China, Japão, Coréia e Taiwan. Ainda
hoje, em países asiáticos, é uma parte do conjunto do sistema de atenção à
saúde. A MTC é eminentemente um sistema de promoção da saúde. Seu escopo
principal é a prevenção de doenças. Assim, é uma relativa deturpação ocidental
recorrer à MTC apenas quando se está gravemente doente. A maior parte da
pesquisa científica nesta área se restringe à acupuntura, sendo escassa a
literatura científica sobre fitoterapia chinesa no Ocidente. Analisemos os
dados disponíveis sobre as terapias que compõe a MTC. Acupuntura A partir dos
anos 1970, a acupuntura começou a ganhar popularidade no Ocidente devido a sua
origem milenar, sua segurança e eficácia. Nesta época, pesquisadores ocidentais
associaram a eficácia analgésica da acupuntura à ativação de opióides
endógenos. De fato, a acupuntura afeta os níveis liquóricos de endorfina e
encefalina, e o seu efeito analgésico em animais pode ser bloqueado por
naloxona. Posteriormente, foram descritos outros mecanismos de ação para a
eficácia da acupuntura. Hoje, sabe-se que os efeitos fisiológicos e clínicos da
acupuntura podem ser explicados por liberação de opióides endógenos, modulação de
hormônio adrenocorticotrófico e modulação de expressão gênica de
neuropeptídeos. Outros mecanismos de ação estão envolvidos, como
neurofisiológicos e humorais, inflamatórios e outros ainda não catalogados.
Infere-se que o peso do efeito placebo na eficácia da acupuntura deve ser
pequeno, já que a acupuntura em Veterinária é mais eficiente que em humanos.
São necessários estudos melhor desenhados para se conhecer melhor os mecanismos
de ação da acupuntura e os limites precisos para sua utilização. A dificuldade
é que a acupuntura não pode ser explicada de uma forma unidirecional em
Biologia. É necessário juntar partes de ramos diferentes do conhecimento para
compreender seu funcionamento. Usando somente a anatomia, não é possível
explicar como agulhas inseridas nas pernas podem tratar cefaléia, ou como
pontos nos braços podem ter relação com o coração. Porém, tomando-se
conhecimentos da Embriologia, estas correlações são possíveis. A histologia se
encarrega de demonstrar que os pontos de acupuntura têm maior concentração de
capilares, mastócitos e terminações nervosas. O tratamento de doenças pela
acupuntura auricular tem reforço pela neuroanatomia funcional, pela estimulação
do ramo auricular do nervo vago, modulando o funcionamento parassimpático. O
reflexo cutâneo-visceral cria interações entre a superfície do corpo e o
sistema nervoso autonômico, explicando a ação da acupuntura sobre o
funcionamento de órgãos internos. Recentemente, a Organização Mundial de
Saúde(1), o National Institutes of Health norte-americano(2) e a American
Medical Association lançaram documentos em que comentam que a acupuntura é uma
prática eficiente em algumas condições clínicas. Uma importante iniciativa
brasileira foi a inserção de três documentos sobre acupuntura no Projeto Diretrizes
da AMB-CFM (http://www.projetodiretrizes.org.br/). Fitoterapia chinesa Há
poucos trabalhos que pesquisaram sua eficácia clínica. Uma pesquisa na base de
dados Medline revela trabalhos esparsos que comprovam sua eficácia em animais
de laboratório, em condições clínicas como a hepatopatia alcoólica ou
hipertensão portal. Em alguns trabalhos com células in vitro, os fitoterápicos
mostraram estímulo de proliferação de células tronco em material de medula
óssea e inibição da divisão e da capacidade metastática em células tumorais.
Detectou-se também a presença de substâncias antioxidantes e de ingredientes
ativos reconhecidos pela Farmacêutica Ocidental em muitas ervas utilizadas. Uma
utilização notável da fitoterapia chinesa ocorreu em 2003, durante a epidemia
de Síndrome Aguda Respiratória Severa (SARS) em Hong Kong(3). Na época, foram
registrados 1.755 casos suspeitos ou confirmados. Um estudo dividiu os
funcionários de 11 hospitais em dois grupos: em um deles, os funcionários
receberam fitoterapia profilática por duas semanas. No outro grupo, não ocorreu
esta intervenção. Nenhum dos funcionários do Grupo fitoterapia contraiu a SARS,
o que ocorreu com alguns indivíduos do Grupo controle. A diferença foi
estatisticamente significante. Numa etapa seguinte, pacientes com diagnóstico
de SARS que estavam com limitações ventilatórias, mas não estavam fazendo
reabilitação respiratória, receberam fitoterapia. Eles tiveram melhoras no
teste de marcha de seis minutos e no teste de força de preensão manual equivalentes
ao grupo que fazia reabilitação. Os pacientes que receberam fitoterapia tiveram
tempo menor de internação, menor necessidade de corticóide e melhora dos
sintomas relacionados. Tai Chi Chuan Esta prática tem sido usada por séculos na
Ásia para melhorar o bem-estar e reduzir o estresse psicológico. Recentemente,
pesquisadores têm estudado sua aplicação em populações de idosos, cardiopatas e
portadores de doenças crônicas. Resultados de pesquisas clínicas em idosos
mostraram que melhora o equilíbrio, força, flexibilidade, independência e
redução do risco de queda. Também apresentam melhora da qualidade do sono e do
estado psicológico. Há trabalhos que apontam para modulação do sistema
imunológico e da atividade do sistema nervoso simpático. Algumas publicações
mencionam efeitos positivos sobre a manutenção da massa óssea em mulheres na
menopausa. Em pacientes com osteoartrite, trabalhos que compararam o tai chi
chuan à hidroterapia mostraram resultados equivalentes para a reversão dos
malefícios do sedentarismo. Conclusões A acupuntura apresenta efeitos
comprovados em diversas condições clínicas, documentados na literatura
científica. A base científica para os outros componentes da MTC está em
ascensão. Destaque para essas duas iniciativas: a) pesquisas que estão sendo
conduzidas pelo National Center for Complementary and Alternative Medicine,
órgão do National Institutes of Health norteamericano (http://nccam.nih.gov/);
b) Evidence-based Complementary and Alternative Medicine (http://
ecam.oxfordjournals.org/), uma revista científica indexada com publicações
relevantes sobre o assunto.
Referências
1. World Health Organization: Acupuncture .Review and analysis of reports on
controlled clinical trial. Geneva; WHO: 2002. 2. NIH Consensus: development
panel on acupuncture. JAMA. 1998;280(17): 1518-24. 3. World Health
Organization: SARS - Clinical trials on treatment using a combination of
traditional chineese medicine and western medicine. Geneva;WHO:2004.
Comentário do editor Jacyr Pasternak*
* Chefe da Equipe de Infectologia do Hospital Beneficência Portuguesa de São
Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
Temos aqui duas opiniões bem expressas, algumas
concordando e outras discordando, porém, me permitam discordar, ou seja, ser
contra aqueles que eram contra. Dr. Edson se focou nos motivos pelas quais
técnicas alternativas têm efeito, se prendendo muito mais aos problemas e
dificuldades dos modelos de assistência médica, que estão desmanchando a
relação médico-paciente e tentando transformá-la em relação paciente-instituição.
Tentando em vão: medicina é atividade feita entre pessoas físicas e não entre
uma pessoa física e uma jurídica... Como dizia o professor Dario Birolini, quando qualquer coisa
se intromete nessa relação, em que ambas as partes não têm tempo de se comunicar.
Fonte:http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/665-EC%20v6n3%20p124-5.pdf
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