QUER COMPRAR UM CARRO ELÉTRICO? ESPECIALISTAS RESPONDEM O QUE LEVAR EM CONTA

  Carros elétricos ainda despertam dúvidas entre consumidores


Quer comprar um carro elétrico? Especialistas respondem o que levar em conta

Vendas crescem no país, mas consumidores ainda têm dúvidas sobre autonomia das baterias, pontos de recarga, oferta de peças para reposição e o valor de revenda no futuro

Por 

João Sorima Neto

 e 

Ana Flávia Pilar

 — São Paulo

31/03/2024 04h00  Atualizado há um dia

Se a compra de um carro zero quilômetro já é uma decisão difícil, seja pelo preço ou pelos custos de manutenção, optar por um veículo elétrico eleva ainda mais o grau de dificuldade. Além de serem mais caros que os convencionais, a nova tecnologia ainda desperta dúvidas, como autonomia dos veículos, infraestrutura de recarga, manutenção e oferta de peças para reposição. Tudo isso precisa ser avaliado na ponta do lápis, não basta pensar na economia de dispensar o posto de combustíveis.


Além disso, o brasileiro sempre pensa na revenda futura do carro, e, no caso de elétricos, ainda há incertezas sobre como vai se comportar o mercado de usados.


Embora a frota eletrificada no país ainda seja pequena, o mercado tem mostrado que os eletrificados mais caros, com preço de R$ 300 mil, tendem a desvalorizar 12% ao ano, enquanto os “de entrada”, na faixa de R$ 100 mil, desvalorizam 20%, segundo a consultoria Bright Consulting, especializada no setor automotivo. Essa diferença se deve principalmente ao fato de hoje os veículos elétricos atraírem principalmente o consumidor de maior renda, inclusive no mercado de usados.

— O consumidor que tem o orçamento mais restrito, na hora de optar por um usado, prefere o veículo a combustão, já que instalar um carregador no prédio onde mora pode ser complicado e tem custo — diz Murilo Briganti, sócio da Bright Consulting, lembrando que outro temor é a autonomia do carro, com a perda de potência da bateria usada.

Antônio Jorge Martins, coordenador dos cursos automotivos da FGV, explica que uma bateria dura mais ou menos dez anos, e a garantia das montadoras fica entre cinco e oito. A bateria é o componente mais importante e pode custar entre 40% e 50% do valor do carro, diz o especialista.

Dono de um BYD Dolphin, que financiou, o analista de sistemas Daniel Mauller, de 41 anos, é entusiasta dos elétricos e não se preocupa com a perda de valor do carro. Argumenta que convencionais também desvalorizam (cerca de 20% por ano, segundo especialistas). O que mais o preocupa é o carregamento do veículo.

Entusiasta do carro elétrico, o analista de sistema Daniel Mauller se preocupa mais na recarga do veículo do que com seu preço de revenda no futuro — Foto: Leo Martins
Entusiasta do carro elétrico, o analista de sistema Daniel Mauller se preocupa mais na recarga do veículo do que com seu preço de revenda no futuro — Foto: Leo Martins

— Tento me programar, saindo de casa com o dobro de capacidade de carga do percurso que vou fazer — conta o analista, que vive no Rio.

Os elétricos mais baratos rodam cerca de 300 quilômetros sem recarga, enquanto SUVs chegam a ter autonomia de 600 quilômetros. O mínimo necessário para carregar um carro elétrico é ter uma tomada de 220 volts. O carro costuma vir com um carregador portátil, que leva cerca de 12 horas para carregar a bateria.

Em São Paulo, prédios em construção já têm que vir com ponto de carregamento de veículos elétricos, segundo uma lei municipal de 2020. Mas a lei não determina quantos pontos têm de ser instalados e, geralmente, apenas um é entregue.

O desafio é aumentar esses pontos enquanto as vendas de elétricos crescem. Na maioria dos prédios antigos, é preciso revisar o sistema elétrico antes de instalar pontos de carregamento. E cada carregador custa entre R$ 10 mil e R$ 15 mil.

A Tupinambá, empresa que faz gerenciamento de estações de recarga, desenvolveu um aplicativo em que o dono do carro paga diretamente por meio digital o quanto gastou em energia para carregar seu veículo, sem onerar o condomínio.

Pontos de recarga nas ruas

Nas ruas e rodovias, ainda há poucos pontos de carregamento. Enquanto na China existem 1,8 milhão de estações de carregamento, no Brasil elas somam 7,7 mil, todas instaladas pela iniciativa privada, apontam especialistas.

— A questão é que as estações de carregamento rápido (30 minutos) somam apenas 500. E as estações públicas estão concentradas em cidades como São Paulo, enquanto Norte e Nordeste têm pontos críticos — diz Davi Bertoncello, CEO e fundador da Tupinambá, lembrando que o aplicativo da empresa localiza os pontos de carregamentos mais próximos do motorista.

Dono de um elétrico, o empresário diz que pode ir de São Paulo ao Rio (416 quilômetros), já que há carregadores rápidos da Dutra. Como seu veículo tem autonomia de 340 km, precisa fazer uma parada para recarregar. Mas o viajante pode enfrentar fila no carregador. E o preço do kW/hora varia entre R$ 2,50 e R$ 3,50.

102 mil elétricos no país

Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), 102 mil modelos com baterias recarregáveis já foram vendidos no país (até fevereiro deste ano), incluindo os 100% elétricos e os chamados híbridos plug-in, que também funcionam com motor a combustão, mas podem ser carregados em tomadas. Responderam por cerca de 4% das vendas de veículos no ano passado.

O seguro do carro eletrificado, segundo o corretor Osmar Santos, há mais de 30 anos no mercado, é mais caro que o do convencional. Além de ser ainda um mercado restrito, as seguradoras levam em conta se há peças de reposição e o preço da bateria, além do perfil do condutor.

Simulação feita pelo GLOBO com o Kwid 1.0 a combustão e o Kwid elétrico mostrou diferença de cerca de R$ 3,7 mil no seguro. O do convencional, ano 2023, sai a R$ 3 mil, e o do elétrico, a R$ 6,7 mil.

Em relação ao combustível, o item que mais chama a atenção, o motorista pode economizar até 80% trocando um carro a combustão por um elétrico, segundo estudo da Aliança pela Mobilidade Sustentável, liderada pelo 99 e outras 12 empresas ligadas a mobilidade. Ou seja, a versão elétrica gasta com combustível 20% do similar a gasolina ou etanol.

Nas concessionárias, as revisões de um elétrico até 60 mil quilômetros chegam a ser 50% mais baratas, já que o sistema é mais simples. Por enquanto, as concessionárias são o ponto de apoio dos motoristas quando há problemas, pois ainda não existe ainda uma rede de mecânicos autônomos para eletrificados.

Opção para motoristas de aplicativo

O motorista de aplicativo Rafael Araújo, de 43 anos, comprou seu primeiro carro totalmente elétrico, um Dolphin, no ano passado. Diz que seus gastos para rodar nas ruas do Rio encolheram. Ele financiou o carro, e a parcela de R$ 2,2 mil é praticamente o mesmo valor que gastava com combustível mensalmente. Também passou a pagar IPVA menor e eliminou gastos com troca de óleo, vela e correia.

— A economia é tamanha que o carro vai se pagar, mesmo desvalorizando — avalia.

Essa economia tem elevado o número de elétricos nas frotas dos aplicativos. No Uber, cresceu 350% no ano passado. O 99 fechou 2023 com 1,7 mil carros elétricos, 70% acima da meta que havia estabelecido.

— Os motoristas apontaram vantagens como redução do custo do combustível, além de mais segurança e conforto — diz Thiago Hipólito, diretor sênior de Inovação e líder do Driver Lab do 99.

Para quem quer experimentar, algumas montadoras como Renault, Volks, Fiat (a BYD deve iniciar em breve), além de locadoras, já oferecem serviço de assinatura de elétricos, espécie de aluguel de longo prazo. Para Briganti, é uma forma interessante de conhecer a nova tecnologia antes de decidir comprar. Os especialistas dizem que um valor razoável de assinatura mensal é 2,5% do preço do veículo.

Montadoras reforçam estoques de peças

As montadoras, especialmente as chinesas, que trouxeram elétricos mais baratos ao país e ajudaram a aumentar as vendas do segmento, dizem ter reforçado o estoque de peças. No início do ano, consumidores dessas marcas se queixaram nas redes de demora ou falta de componentes.

A chinesa GWM informou que mantém um centro de armazenamento e distribuição de peças de reposição em Cajamar, na Grande São Paulo, com mais de 400 mil itens, garantindo 95% de disponibilidade de peças para todos os modelos comercializados no Brasil. Este estoque pode suprir a demanda de até seis meses de toda a rede de 72 concessionárias no país.

Alexandre Baldy, conselheiro da BYD, afirma que o número de pedidos diários de peças subiu de 200 para 600, em um prazo muito mais curto que o planejado pela chinesa, por conta do aumento das vendas:

— Reforçamos a logística de distribuição das peças para todo o Brasil para não ter gargalos. O centro de distribuição central de peças no Espírito Santo, com mais de 370 mil itens de todos modelos vendidos no Brasil, vai dobrar para atender às projeções de crescimento de vendas para 2024.

O que considerar na hora de comprar

Preço e desvalorização

Elétricos são mais caros: não saem por menos de R$ 100 mil e podem chegar a R$ 300 mil. Desvalorizam entre 12% e 20% por ano. Vender pode não ser fácil, já que o mercado de usados ainda é pequeno. Seguros de elétricos também são mais altos, mas o IPVA é menor em alguns estados.

Combustível e baterias

O valor da recarga com eletricidade é 20% do gasto para abastecer um carro convencional. Mas as baterias têm vida útil de cerca de dez anos. Montadoras garantem de cinco a oito. A troca é cara: a bateria é de 40% a 50% do valor do carro.

Carregamento

Cada elétrico vem com um kit de carregamento e precisa, no mínimo, de uma fonte 220V. Mas não é simples instalar tomadas para carros em condomínios. O equipamento custa R$ 15 mil. Nas ruas, há poucos pontos de recarga. Elétricos têm autonomia de 300 a 600 quilômetros sem recarga.

Manutenção

A revisão periódica até 60 mil quilômetros rodados custa cerca de 50% menos que a de um carro a combustão, e não há necessidade de troca de óleo, vela, correia etc. Mas consumidores têm relatado falta de peças.


Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/03/31/quer-comprar-um-carro-eletrico-especialistas-respondem-o-que-levar-em-conta.ghtml

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