OZEMPIC, WEGOVY E MOUNJARO: CANETAS EMAGRECEDORAS SÃO ELEITAS 'O AVANÇO CIENTÍFICO DE 2023' PELA SCIENCE

 Análogos do GLP-1 são escolhidos como 'avanço científico de 2023' pela Science.

Ozempic, Wegovy e Mounjaro: canetas emagrecedoras são eleitas ‘o avanço científico de 2023' pela Science

Muito além do tratamento da obesidade, prestigiosa publicação destaca a redução dos acidentes cardiovasculares e as possibilidades abertas em campos tão diversos como dependências, Alzheimer e Parkinson pelos medicamentos

Por 

Enrique Alpañés

 Em El País

15/12/2023 11h01  Atualizado há 2 dias

Das revistas de fofoca à capa da Science: os análogos do GLP-1, classe de medicamentos usada atualmente ​​para tratar diabetes tipo 2 e obesidade, moldaram um debate durante todo o ano.

Teve início com notícias de celebridades, como Elon Musk e Oprah Winfrey, que falaram abertamente sobre o seu uso. A popularidade acendeu um debate cultural em torno da obesidade - não como uma questão moral ou de falta de vontade, mas como uma doença crônica. Desde os tempos do Botox e do Viagra, nenhuma outra droga entrou no imaginário coletivo desta forma.

Depois, os remédios pularam para as páginas de economia do noticiário. As duas formulações comerciais mais populares, o Ozempic e o Wegovy, tornaram sua empresa fabricante, a dinamarquesa Novo Nordisk, a mais valiosa da Europa – salvando o país de uma recessão.

A todo tempo, os remédios não deixaram de figurar entre as principais revistas científicas, com trabalhos que têm não apenas confirmado a eficácia inédita para a perda de peso, como mostrado uma consequente redução de acidentes cardiovasculares. É nesse contexto que os análogos do GLP-1 chegam ao fim do ano sendo eleitos "o avanço científico de 2023" pela prestigiosa publicação Science.

Na matéria sobre a escolha, intitulada “A obesidade encontra seu adversário”, o periódico destaca que os medicamentos “de grande sucesso” se mostram promissores ainda para uma ampla variedade de outras doenças, com estudos para o tratamento de quadros de dependência e condições neurológicas, como Alzheimer e Parkinson.

O que são os análogos de GLP-1?

Essas drogas imitam o GLP-1, hormônio que naturalmente nos faz sentir saciados depois de comer. Mas cada vez eles fazem isso de maneira melhor e por mais tempo. Embora sejam prescritos desde 2017, nos últimos anos os seus efeitos expandiram-se significativamente.

A semaglutida (molécula comercializada como Ozempic e Wegovy) pode produzir uma redução de aproximadamente 15% no peso total, um percentual histórico que nunca havia sido alcançado antes com outros medicamentos.

— Mas talvez o mais importante de tudo, além da perda de peso em si, é que estão demonstrando uma redução na morbimortalidade — afirma Juan José Gorgojo, chefe do serviço de nutrição do Hospital Universitário Fundación Alcorcón, na Espanha.

Um estudo publicado este ano mostrou que a semaglutida reduz o risco de ataques cardíacos e derrames em até 20% em pessoas com sobrepeso. — Além disso, este mesmo medicamento demonstrou benefícios clínicos em pacientes com insuficiência cardíaca — acrescenta o médico.

Para ele, "são motivos mais que suficientes para que seja destacado como um dos avanços do ano". A Science também destacou esses “dois ensaios clínicos históricos”, sublinhando que demonstraram benefícios “que vão além da perda de peso”.

Além disso, alguns efeitos colaterais inesperados que os análogos do GLP-1 tiveram têm chamado atenção. Muitos pacientes começaram a relatar modificações positivas em comportamentos de dependência, abrindo portas para possíveis tratamentos para quadros do tipo futuros.

A publicação também menciona ensaios clínicos em andamento com a classe de fármacos para doenças neurodegenerativas que contam com alternativas limitadas hoje – o Alzheimer e o Parkinson, “com base, em parte, em evidências de que eles têm como alvo a inflamação cerebral”. Segundo a plataforma Clinical Trials, dos Estados Unidos, resultados iniciais sobre o Alzheimer são esperados para 2025.

O anúncio da Science ocorre um dia depois de a revista Nature, outra grande referência do mundo científico, ter escolhido a bioquímica Svetlana Mojsov, figura chave na descoberta do GLP-1, como uma das dez cientistas do ano. O papel de Mojsov é duplamente relevante nesta história. Primeiro, pela sua contribuição científica para esses medicamentos, ao identificar e caracterizar o hormônio e criar os peptídeos nos quais se baseia toda essa tecnologia.

Mas também porque sua história exemplifica a mecânica patriarcal da comunidade científica. Durante anos, revistas e prêmios do setor elogiaram o trabalho dos seus colegas do sexo masculino, os médicos Daniel Drucker, Joel Habener e Jens Juul Holst, ignorando sistematicamente os seus próprios.

Após anos de luta, a bioquímica sérvia alcançou o reconhecimento que até agora lhe tinha sido negado. Revistas como Cell e Nature, que inicialmente silenciaram as suas contribuições, tiveram de publicar retificações para colocar o seu nome no mesmo nível do dos seus colegas.

Despesa e o efeito rebote

Um dos desafios, porém, é o financiamento dos medicamentos para pacientes com obesidade, algo que tem começado a ser avaliado por sistemas de saúde pelo mundo. Isso implicará um esforço para os cofres públicos, reconhece Gorgojo, mas no longo prazo o médico acredita que pode significar uma poupança.

Isso porque a obesidade, que cresce em ritmo alarmante na vasta maioria dos países, é a porta de entrada para mais de 200 doenças e problemas cardiovasculares. Na Espanha, por exemplo, dados da OCDE mostram que as complicações representam 9,7% do total das despesas de saúde.

O ruim é que esse gasto não seria pontual, mas sim constante. — A obesidade é uma doença crônica. Não existe tratamento para uma doença crônica que seja usado por alguns meses. O tratamento deve ser continuado por toda a vida — diz Gorgojo.

Uma experiência clínica recente realizada com a tirzepatida (uma molécula ainda mais potente comercializada sob o nome Mounjaro pela farmacêutica Eli Lilly) comprovou o que afirma o especialista. Após 36 semanas de tratamento, os pacientes apresentaram uma redução média de peso de 20,9%.

Mas, depois, eles retiraram o medicamento para uma parcela dos pacientes, substituindo-o por placebo. Eles experimentaram uma recuperação de peso de 14%, enquanto aqueles que continuaram com a medicação continuaram a perder até 5,5% mais peso. O efeito rebote é pronunciado e começa ao mesmo tempo que a droga é interrompida.

Entendimento da obesidade

Cristóbal Morales, endocrinologista do Hospital Virgen de la Macarena de Sevilha, na Espanha, e pesquisador da área, destaca como os medicamentos mudaram a percepção social da obesidade.

— A grande mudança é que percebemos que se trata de uma doença social. Há uma falta de adaptação evolutiva. Temos genes pré-históricos, do Pleistoceno, e nosso contexto não é o mesmo desde então. Vivemos em um ambiente obesogênico — reflete.

Genes antigos, aliados aos nossos novos ambientes, levam-nos a comer demais, diz. Os alimentos ultraprocessados ​​funcionam como verdadeiras drogas sintéticas, capazes de liberar enormes quantidades de dopamina em corpos projetados para reagir dessa forma aos açúcares e às gorduras, que são mais raros nos alimentos naturais.

— O bom é que a ciência avançou para dar uma resposta a essa falta de adaptação, a essa desregulação metabólica — afirma Morales.

O tratamento farmacológico que avança para a doença pode ser eficaz. Mas seus efeitos visíveis não podem levar à perda de foco, defende o pesquisador: — Isso não vai se resolver apenas com as drogas, precisamos que a principal revolução seja a mudança da sociedade. Não temos de procurar uma solução individual, mas sim social e ambiental.

De acordo com o Inquérito Europeu de Saúde de 2020 em Espanha, 24% das pessoas com baixo nível socioeconômico têm obesidade, enquanto entre as pessoas com mais recursos a prevalência é consideravelmente menor, de 9%. A obesidade é uma questão de classe, e o surgimento destes medicamentos, que chegam a custar centenas de reais por semana, pode acentuar esse problema. Por isso, os especialistas pedem um olhar sobre os medicamentos como uma ferramenta que melhora a saúde, e não a estética, e para acompanhar os avanços científicos com uma abordagem social e multifatorial.

— O Homo sapiens sempre precisa de pedaços de sua história para contar sua história. E faltavam peças para contar essa história, peças de epigenética para entender por que estamos sofrendo com essa pandemia — diz Morales.

Agora que os temos, que a obesidade começa a ser entendida como uma doença de natureza social e ambiental, e não fruto de uma fraqueza de carácter ou de falta de vontade, podemos começar a tomar soluções, defende o endocrinologista. Se 2023 foi o ano dos agonistas do GLP-1, “2024 será o ano para enfrentar o problema da obesidade e diminuir a curva das suas complicações”, acrescenta.

* Com informações do GLOBO.


Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/medicina/noticia/2023/12/15/ozempic-wegovy-e-mounjaro-canetas-emagrecedoras-sao-eleitas-o-avanco-cientifico-de-2023-pela-science.ghtml

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