ANESTÉSICO CETAMINA SE MOSTRA EFICAZ CONTRA DEPRESSÃO RESISTENTE EM NOVO ESTUDO

  Infusão de cetamina ajuda a reduzir e até eliminar sintomas da depressão.

Anestésico cetamina se mostra eficaz contra depressão resistente em novo estudo

Substância é pelo menos tão eficaz quanto a terapia eletroconvulsiva, considerada até hoje a melhor no tratamento de pacientes com depressão resistente

 

Por Christina Caron, The New York Times

27/05/2023 17h55  Atualizado há 6 meses


Um novo estudo sugere que, para alguns pacientes, o anestésico cetamina é uma alternativa promissora à terapia eletroconvulsiva (ECT), atualmente uma das mais rápidas e eficazes para pacientes com depressão de difícil tratamento. O estudo é a maior comparação direta dos dois tratamentos.

Os pacientes que não respondem a pelo menos dois antidepressivos – cerca de um terço dos pacientes clinicamente deprimidos – têm uma condição que os médicos chamam de “resistente ao tratamento”. Suas opções de alívio são limitadas. Os médicos geralmente recomendam até 12 sessões de ECT, que tem uma eficácia estabelecida há muito tempo, mas é manchada pelo estigma do uso indevido histórico e pelas imagens assustadoras de Hollywood de pessoas amarradas a mesas, se contorcendo em agonia. A ECT de hoje é muito mais segura e feita sob anestesia geral, mas o procedimento permanece subutilizado.

O estudo, publicado na última quarta-feira na revista científica The New England Journal of Medicine, descobriu que a cetamina, quando administrada por via intravenosa, foi pelo menos tão eficaz quanto a ECT em pacientes com depressão resistente ao tratamento que não apresentam psicose. Para pessoas com psicose, a cetamina, mesmo em doses muito baixas, pode piorar os sintomas.

— Os resultados foram muito surpreendentes para nós — disse o médico Amit Anand, principal autor do estudo e professor de psiquiatria na Harvard Medical School, que estuda transtornos de humor no Mass General Brigham.

Sua equipe havia inicialmente levantado a hipótese de que a cetamina seria quase tão eficaz quanto a ECT. Em vez disso, disse Anand, eles descobriram que a cetamina teve um desempenho ainda melhor.

Isso é significativo em parte porque alguns pacientes se sentem desconfortáveis ​​com os possíveis efeitos colaterais da ECT, como perda temporária de memória, dor muscular ou fraqueza. Em casos raros, pode resultar em lacunas permanentes na memória.

O estudo, que foi patrocinado pela Cleveland Clinic Foundation, mostra que a cetamina é mais fácil de administrar, com menos ajustes durante o tratamento e menos pacientes desistindo, disse Anand.

— Mais importante, mostra que a ECT, como esperado, está associada a problemas de memória, enquanto a cetamina não está.

A cetamina intravenosa também tem efeitos colaterais, como dissociação, mas isso “geralmente não é uma experiência desagradável para os pacientes”, disse Anand.

Estudos anteriores mostraram que ambos os tratamentos podem ser eficazes em pacientes com depressão difícil de tratar, mas essa pesquisa analisou principalmente as duas terapias de forma independente. O médico Roger S. McIntyre, professor de psiquiatria e farmacologia da Universidade de Toronto, que não é afiliado ao estudo, chamou-o de “inovador”.

— É esse tipo de dados pragmáticos rigorosos, aleatórios e do mundo real que são robustos e muito significativos clinicamente — disse McIntyre.

Os pesquisadores designaram aleatoriamente cetamina intravenosa ou ECT para 365 pacientes. Quase metade recebeu cetamina duas vezes por semana, enquanto os outros receberam ECT três vezes por semana. Ao final do tratamento de três semanas, 55% dos pacientes do grupo cetamina e 41% dos pacientes do grupo ECT relataram uma redução de 50% ou mais nos sintomas.

Seis meses depois, os escores de qualidade de vida para ambos os grupos foram semelhantes.

Uma limitação do estudo foi que o número de tratamentos de ECT pode não ter sido suficiente porque o período de tratamento foi de apenas três semanas, disse o médico Daniel F. Maixner, diretor do programa de ECT da Michigan Medicine da Universidade de Michigan, que não era afiliada ao estudo.

Os sujeitos do estudo começaram o curso de ECT recebendo correntes elétricas em um lado do cérebro, o que pode exigir de 10 a 12 sessões, ao contrário das nove usadas no estudo, acrescentou.

— Se houver mais melhorias a serem obtidas, você continua — disse Maixner.

Pacientes que começam bilateralmente, estimulando ambos os lados ao mesmo tempo, muitas vezes precisam de menos sessões. Se os pacientes tivessem completado mais sessões de ECT, uma proporção maior deles poderia ter respondido ao tratamento, disse Anand. Mas isso provavelmente também teria causado mais efeitos colaterais.

Um pequeno número de pacientes em ambos os grupos – menos de 33% – entrou em remissão, o que significa que eles apresentavam apenas sintomas depressivos leves. Isso sugere que tratamentos adicionais seriam necessários para que os pacientes mantivessem algum alívio.

O tratamento continuado, no entanto, vem com riscos adicionais. Com a cetamina, por exemplo, um tratamento mais longo “aumenta a probabilidade de dependência de drogas e efeitos adversos cognitivos, incluindo dissociação, paranóia e outros sintomas psicóticos”, escreveu o médico Robert Freedman, professor de psiquiatria da Universidade do Colorado, em um editorial publicado com o estudo.

Evidências anteriores sugerem que as taxas de remissão da ECT podem ser muito mais altas - geralmente de pelo menos 60% - mas esses estudos podem ter incluído uma porcentagem maior de pacientes internados, bem como pacientes com depressão psicótica, para os quais a ECT parece ser particularmente eficaz.

Pesquisadores e médicos estão usando a cetamina intravenosa off label porque não foi aprovada pela FDA, agência que regular medicamentos nos Estados Unidos, para o tratamento de transtornos do humor, ao contrário de sua prima escetamina, também conhecida como Spravato, que é administrada por via nasal. Entre os médicos, a cetamina intravenosa é amplamente considerada tão ou mais eficaz do que a escetamina para a depressão resistente ao tratamento, disse Anand.

Infelizmente, como a cetamina intravenosa é um medicamento genérico, “é improvável que alguém tente obter a provação da FDA para torná-la mais reembolsável para as seguradoras”, acrescentou.

No final deste ano, Anand e seus colegas recrutarão pacientes para um estudo maior comparando a ECT à cetamina intravenosa em 1.500 pacientes agudamente suicidas e deprimidos, a maioria dos quais provavelmente internados. Eles também observarão como os efeitos diferem por faixas etárias.

Maixner, da Michigan Medicine, disse que a pesquisa sugere que a cetamina intravenosa, que ele também usou para tratar pacientes, pode ter alguns benefícios emergentes e fortes para a depressão difícil de tratar, que “dá opções às pessoas”.


Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/medicina/noticia/2023/05/anestesico-cetamina-se-mostra-eficaz-contra-depressao-resistente-em-novo-estudo.ghtml

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