NANOTECNOLOGIA: USOS E RISCOS - DA ADMNISTRAÇÃO AO CENÁRIO GREY GOO - A ESPERANÇA, O MEDO E A REALIDADE DA NANOTECNOLOGIA

  

Da administração de fármacos ao cenário “grey goo” – a esperança, o medo e a realidade da nanotecnologia.

Da administração de fármacos ao cenário “grey goo” – a esperança, o medo e a realidade da nanotecnologia.

Resumo:

  • A nanotecnologia envolve a manipulação ou observação da matéria em nano escala.
  • Os nanomateriais são usados actualmente em qualquer coisa, desde engenharia, roupas, protector solar, produtos domésticos, medicamentos e para auxílio na obtenção de imagens médicas e distribuição de medicamentos.
  • Embora algumas aplicações, como as nanopartículas nos protectores solares, representem baixos riscos para a saúde, outras, como nanotubos de carbono de paredes múltiplas, podem causar problemas pulmonares se inalados.
  • Nano robôs estão a ser desenvolvidos para uso em cirurgias e administração precisa de medicamentos contra o cancro.
  • Várias organizações monitorizam cuidadosamente os desenvolvimentos emergentes em nanotecnologia.
  • O cenário “grey goo” em que os nano robôs estão fora de controlo e destroem a Terra é actualmente improvável.
Da administração de fármacos ao cenário “grey goo” – a esperança, o medo e a realidade da nanotecnologia.

O termo nanotecnologia foi cunhado já em 1974 pelo Prof. Norio Taniguchi para descrever as formas emergentes de manipulação de materiais ao nível atómico [1]. Algumas décadas mais tarde, a nanotecnologia abrange praticamente qualquer técnica, material ou dispositivo que seja fabricado ou operado em nano escala (onde um nanómetro é um bilionésimo de um metro). Avanços recentes foram feitos em nanomateriais (materiais ultrafinos ou ultra fortes que se adequam a vários fins de engenharia), nanopartículas (partículas minúsculas que podem ser usadas para melhorar a entrega de medicamentos ou imagens médicas) e robôs em nano escala (como os xeno robôs orgânicos recentemente projectado para uso médico [2]).

Então, quais são os parâmetros destas novas tecnologias? Quais são os perigos? E quais são os benefícios propostos? Como acontece com qualquer empreendimento, há um certo equilíbrio entre riscos e ganhos previsíveis, embora alguns riscos sejam muito mais prováveis do que outros.

Os nanomateriais são fabricados em nano escala para terem propriedades específicas, como tamanho, resistência ou até a forma como interagem com a luz. Pode criar-se uma armadura ultra resistente, simplesmente organizando os átomos de uma maneira específica, ou construir pequenos robôs capazes de responder a instruções simples.

Nanotubos de carbono com paredes múltiplas são estruturas fortes e rígidas que são formadas em nano escala. Estes têm propriedades eléctricas úteis e são usados em manufacturação, embora haja preocupações crescentes de que a exposição a estes nanotubos cause danos nos pulmões [3, 4, 5]. Isto serve como um lembrete de que é necessário ter cuidado quando se lida com novos materiais, especialmente no que diz respeito aos seus efeitos sobre a saúde e o meio ambiente, com várias task forces instaladas para avaliar os potenciais riscos [6, 7].

Nanopartículas de prata são usadas actualmente em roupas e pensos médicos, embora mais estudos sejam necessários para avaliar o efeito do acumulamento de nanopartículas de prata na pele [8]. Os protectores solares que contêm nanopartículas de forma a aumentar o seu desempenho, também têm sido objecto de preocupação pública, embora muitos estudos tenham mostrado que estas partículas não são absorvidas profundamente na pele e, portanto, representam um baixo risco para a saúde [9, 10]. Uma questão sem resposta é o impacto ambiental das nanopartículas e nanomateriais que acabam por ir parar ao ecossistema, mais especificamente preocupações reais sobre a água subterrânea e contaminação do solo [11].

Um ponto em destaque interessante é que enquanto em alguns países (predominantemente na Ásia), a nanotecnologia é frequentemente vista como uma tecnologia positiva e benigna, em que os produtos que contêm nanopartículas são considerados superiores e com preços adequados, noutras partes do mundo, a nanotecnologia é geralmente tratada com mais suspeita. Isto levou os fabricantes ocidentais a reduzir desnecessariamente a concentração de nanopartículas nos protectores solares para acalmar as preocupações do público [12], apesar dos repetidos testes indicando a sua segurança.

Outro ramo importante da nanotecnologia é o desenvolvimento de máquinas em nano escala, ou nano robôs, para cirurgia e administração de medicamentos, embora tenham sido inicialmente propostos para uso em manufacturação. No seu livro de 1986, Engines of Creation, o pioneiro da nanotecnologia Eric Drexler usou o termo “grey goo” para descrever um cenário de pesadelos no qual nano robôs que se multiplicam autonomamente e que foram originalmente projectados para construir bens baratos, andam à solta e consomem a Terra [13]. Esta ideia de uma catástrofe rápida e imparável foi exacerbada e desenvolvida por outros, rapidamente passando para o imaginário do público, onde permaneceu desde então [14]. Cientistas, incluindo Eric Drexler, que mais tarde disse que gostaria de nunca ter mencionado a “grey goo” [15], tentaram esclarecer a situação sobre a extrema improbabilidade dos nano robôs escaparem de um laboratório, afirmando que nano robôs usados em manufacturação não precisam de ter uma replicação autónoma [16]. Os esforços para virar a maré da opinião pública tiveram resultados mistos, possivelmente porque a ideia do potencial destrutivo de uma tecnologia avançada que não se consegue ver a olho nu nem controlar com as mãos está firmemente cimentada na cultura popular e nos media [ 17].

Desenvolvimentos recentes no design e aplicabilidade dos nano robôs provavelmente reabrirão as discussões sobre segurança destes, com os investigadores a apresentar uma nova abordagem para a criação de nano robôs adaptáveis a partir de fontes orgânicas [2]. Os cientistas desenvolveram um processo para criar novas formas de vida funcionais, usando inteligência artificial para projectar automaticamente uma forma de vida necessária para executar uma determinada função específica e um kit de ferramentas de construção para criar um organismo vivo usando uma sugerida forma de vida como um “guião”. Os nano robôs resultantes, denominados xeno robôs, foram construídos com células da rã-de-unhas-africana, Xenopus laevis.

As vantagens desta tecnologia são óbvias: os xeno robôs são biodegradáveis e podem ser usados na reparação de tecidos danificados, com vista nas células cancerosas, limpeza de material radioactivo ou recolha de microplásticos no oceano. No entanto, foram levantadas preocupações sobre as considerações éticas relacionadas à criação do que é essencialmente uma nova forma de vida. Como esta tecnologia ainda está na sua infância, muito mais iterações serão necessárias antes de pudermos avaliar os riscos associados, com os criadores dos xeno robôs a admitir a necessidade de uma discussão ética detalhada.

Nano robôs magnéticos também foram desenvolvidos para o tratamento direccionado do cancro [18]. Estes podem ser carregados com medicamentos específicos e guiados pelo corpo, oferecendo uma opção menos invasiva e mais precisa em comparação com a administração de medicamentos convencionais. Estes nano robôs permitem uma maior redução do tumor, possivelmente porque permitem um fornecimento dos medicamentos em profundidade e com grande precisão. Este tipo de técnica abre a possibilidade de um tratamento rápido e eficaz para quem tem tumores de difícil alcance. A ressonância magnética também pode ser usada para guiar os nano robôs através das veias humanas de forma a melhorar a distribuição de drogas [19].

Nos dias de hoje, a nanotecnologia abrange uma gama tão ampla de estruturas e técnicas, usadas em campos tão diversos, que é cada vez mais difícil (e inútil) simplificar demasiado as suas vantagens e desvantagens. Certas aplicações parecem apresentar poucas desvantagens, enquanto outras que podem ter um impacto ambiental ou de saúde podem exigir mais cuidado. Organizações por todo o mundo concentram-se no desenvolvimento ético e de segurança da nanotecnologia [7, 14]. No fim de contas, a nanotecnologia provavelmente representará apenas mais uma etapa da nossa evolução tecnológica, com muitos benefícios distintos que acarretam vários graus de risco.

Referências:

  1. N. Taniguchi, “On the Basic Concept of ‘Nano-Technology’,” Proc. Intl. Conf. Prod. Eng. Tokyo, Part II, Japan Society of Precision Engineering, 1974.
  2. https://www.pnas.org/content/117/4/1853
  3. Sharma M, Nikota J, Halappanavar S, Castranova V, Rothen-Rutishauser B, Clippinger AJ. Predicting pulmonary fibrosis in humans after exposure to multi-walled carbon nanotubes (MWCNTs). Arch Toxicol. 2016;90(7):1605-1622. doi:10.1007/s00204-016-1742-7
  4. Lam CW, James JT, McCluskey R, Arepalli S, Hunter RL. A review of carbon nanotube toxicity and assessment of potential occupational and environmental health risks. Crit Rev Toxicol. 2006;36(3):189-217. doi:10.1080/10408440600570233
  5. National Institute of Environmental Health Sciences: https://www.niehs.nih.gov/health/topics/agents/sya-nano/index.cfm
  6. Clippinger AJ, Ahluwalia A, Allen D, et al. Expert consensus on an in vitro approach to assess pulmonary fibrogenic potential of aerosolized nanomaterials. Arch Toxicol. 2016;90(7):1769-1783. doi:10.1007/s00204-016-1717-8
  7. U. S. Food and Drug Administration: https://www.fda.gov/media/140395/download
  8. https://ec.europa.eu/health/scientific_committees/emerging/docs/scenihr_o_039.pdf
  9. Monteiro-Riviere NA, Wiench K, Landsiedel R, Schulte S, Inman AO, Riviere JE. Safety evaluation of sunscreen formulations containing titanium dioxide and zinc oxide nanoparticles in UVB sunburned skin: an in vitro and in vivo study. Toxicol Sci. 2011;123(1):264-280. doi:10.1093/toxsci/kfr148
  10. https://www.mja.com.au/journal/2016/204/10/potential-risks-and-benefits-nanotechnology-perceptions-risk-sunscreens
  11. Bundschuh M, Filser J, Lüderwald S, et al. Nanoparticles in the environment: where do we come from, where do we go to?. Environ Sci Eur. 2018;30(1):6. doi:10.1186/s12302-018-0132-6
  12. Berube DM. Rhetorical gamesmanship in the nano debates over sunscreens and nanoparticles. J Nanopart Res 2008; 10: 23-37.
  13. K. Eric Drexler, 1986, Anchor Publishing. ISBN 0-385-19972-4
  14. Centre for Responsible Nanotechnology, http://www.crnano.org/BD-Goo.htm
  15. Giles, J. Nanotech takes small step towards burying ‘grey goo’. Nature 429, 591 (2004). https://doi.org/10.1038/429591b
  16. Science Daily: https://www.sciencedaily.com/releases/2004/06/040609072100.htm
  17. Express Newspaper, UK: https://www.express.co.uk/news/science/825989/nanotechnology-nanobots-grey-goo-end-of-the-world
  18. Andhari, S.S., Wavhale, R.D., Dhobale, K.D. et al. Self-Propelling Targeted Magneto-Nanobots for Deep Tumor Penetration and pH-Responsive Intracellular Drug Delivery. Sci Rep 10, 4703 (2020).  https://doi.org/10.1038/s41598-020-61586-y
  19. Panagiotis Vartholomeos, Matthieu Fruchard, Antoine Ferreira, Constantinos Mavroidis. MRI-Guided Nanorobotic Systems for Therapeutic and Diagnostic Applications. Annual Review of Biomedical Engineering, Annual Reviews, 2011, 13, pp 157-184.

Fonte:https://www.factsandreasons.com/pt/da-administracao-de-farmacos-ao-cenario-grey-goo-a-esperanca-o-medo-e-a-realidade-da-nanotecnologia/

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